Matheus Aciole, de apenas 23 anos, foi diagnosticado com o novo coronavírus e, embora tenha recebido um atendimento médico adequado, morreu em poucos dias, em 31 de março, tornando-se a mais jovem vítima da doença no País à época, para grande espanto de parentes e amigos. O diagnóstico havia sido feito dois dias depois do surgimento dos primeiros sintomas, uma dor de garganta leve e febre baixa. Matheus foi encaminhado imediatamente para a UTI de um hospital particular em Natal (RN) e chegou a ser entubado.
Mas os esforços dos médicos foram incapazes de deter a covid-19. Os pais do jovem gastrólogo contaram que ele sempre foi saudável e não conseguiam entender como o que parecia um resfriado leve se transformou em uma doença fulminante. Embora fosse muito jovem e saudável, Matheus pesava mais de 100 quilos.
De acordo com os últimos relatos do governo, existe uma relação importante entre as formas mais graves do novo coronavírus em pessoas jovens e uma outra doença pandêmica de alta prevalência no Brasil: a obesidade. Pelo menos 20% da população do País é considerada obesa e mais da metade dos habitantes está acima do peso normal.
Dados do Ministério da Saúde divulgados há uma semana revelam que a obesidade já é considerada o principal fator de risco nas vítimas da covid-19 com menos de 60 anos – à frente até de problemas respiratórios e cardiológicos. Médicos que estão na linha de frente também já fazem essa constatação.
Foi o caso de Matheus e do músico Robson Lopes, de 43 anos, enterrado no dia 31 em Manaus; da atriz e ativista social Érika Ferreira, de 39 anos, de São Gonçalo, no Rio, entre outros 43 casos no País.
“Pelo menos 60% dos pacientes que estão hoje (na sexta-feira) no CTI do Hospital Pedro Ernesto são obesos e são os de pior evolução”, contou a endocrinologista Eliete Bouskela, da UERJ, que está à frente de um estudo sobre a evolução dos pacientes da covid-19 do ponto de vista da massa corporal e dos distúrbios de coagulação sanguínea. “Depois da idade, esse é o maior fator de risco.”
Um porcentual parecido é constatado na UTI do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio, que está atendendo apenas pacientes com covid-19, segundo contou a endocrinologista Monica Gadelha. Mas por que isso acontece? “O tecido adiposo não é inerte, não é apenas um estoque de nutrientes; é um tecido ativo e importante para um grande número de condições fisiológicas e patológicas”, explicou ao Estado a endocrinologista Amy Rothberg, professora associada da Escola de Medicina da Universidade de Michigan.
“A obesidade contribui para um estado inflamatório produzindo moléculas chamadas de citoquinas. Elas afetam outros sistemas, causando estresse celular, falta de oxigenação celular e morte celular.”
À inflamação natural do obeso se junta a grave inflamação produzida pela covid-19, potencializando a produção das citoquinas e agravando todo o processo decorrente. Para piorar a situação, as pessoas com excesso de peso em geral têm uma capacidade pulmonar mais restrita porque o excesso de gordura abdominal tende a reduzir o volume da caixa torácica.
Para a endocrinologista da UERJ Eliete Bouskela, integrante da Academia Nacional de Medicina, os dados mais recentes estão mostrando que a gravidade do quadro clínico do paciente é diretamente proporcional ao seu peso. Ou seja, quanto mais obeso é o indivíduo, maior a chance de ele ter um quadro grave de covid-19. De acordo com as especialistas, essa interação já havia sido notada em outras enfermidades que comprometem o sistema respiratório, mas nunca de uma forma tão grave.
“Na influenza (gripe) também funciona dessa forma”, explicou a professora de endocrinologia da UFRJ Monica Gadelha, integrante da Academia Nacional de Medicina. “Mas acredito que não esteja tão bem caracterizada como na covid-19.”
Transmissão prolongada
Segundo Bouskela, no caso do H1N1, foi comprovado que os obesos transmitem o vírus durante um período mais longo de tempo do que as pessoas magras. “No caso do H1N1, ficou demonstrado que o obeso é contagioso por uma período 42% maior do que uma pessoa magra”, disse. “A gente supõe que o mesmo aconteça no caso da covid-19.” Por isso, diz, uma medida diferenciada no tratamento de obesos poderia ser um período de isolamento mais estendido.
Ex-presidente da Federação Mundial de Obesidade, o endocrinologista Walmir Coutinho, diretor do Departamento de Medicina da PUC-RJ, considera ainda que as condições gerais das Unidades de Terapia Intensiva agravam o desafio de tratar um paciente com obesidade grave. “Faltam aos hospitais leitos apropriados para essa população, a entubação é mais difícil e, frequentemente, não estão disponíveis aparelhos de imagem que comportem pessoas muito pesadas”, enumerou.
“Nesse esforço de abrir hospitais de campanha, seria importante levar em consideração as necessidades dos pacientes obesos”, aponta. “Embora pessoas com o peso normal possam ficar muito doentes por causa do novo coronavírus, são os obesos que estão morrendo por comprometimento respiratório.”
Pesquisa com 4 mil pacientes com covid-19 em Nova York teve a mesma conclusão
Dois estudos da Universidade de Nova York feitos com milhares de pacientes de covid-19 e divulgados na semana passada também apontam a obesidade como o maior fator de risco para pessoas jovens – mesmo quando elas não têm nenhum outro problema de saúde.
“A condição crônica com a mais forte associação aos casos críticos (da covid-19, quando não se considera a idade avançada) é a obesidade, com, substancialmente, maior prevalência do que qualquer outra doença cardiovascular ou pulmonar”, concluiu Christopher M. Petrilli, da Escola de Medicina Grossman, da Universidade de Nova York, principal autor de um dos maiores estudos já feitos até hoje, reunindo 4,1 mil pacientes de Nova York, atual epicentro da pandemia. O estudo foi publicado online no dia 11 na MedRxic.
Um outro estudo teve como foco os pacientes com menos de 60 anos. O levantamento mostrou que os obesos têm duas vezes mais probabilidade de serem hospitalizados e apresentavam um risco maior de internação numa UTI. A gravidade da Covid-19 em jovens adultos costuma causar muita surpresa e acrescenta “uma nova camada de choque à doença”, segundo a principal autora, Jennifer Lighter.
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